Movimento reuniu mais de 100 mil mulheres e apresentou reivindicações de milhões de mulheres do campo, das cidades, das florestas e das águas
Nos dias 15 e 16 de agosto, a capital federal Brasília ficou florida com as ruas tomadas por mais de 100 mil mulheres do campo, da floresta, das águas e das cidades, durante a 7ª Marcha das Margaridas. Com suas bandeiras, chapéus de palha, faixas, com seus cantos e toda a garra e energia, as Margaridas percorreram um trajeto de aproximadamente seis quilômetros, na luta pela reconstrução do Brasil e por uma sociedade do bem viver.
A presidente do Sintrivest e coordenadora do Fórum das Entidades Sindicais de Trabalhadores de Brusque e Região (Fórum Sindical), Marli Leandro, participou da marcha, junto a uma comitiva de sindicalistas da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fetiesc), que representou todas as mulheres trabalhadoras da indústria no Estado.
“Foi um evento muito lindo e importante, onde milhares de mulheres, vindas de todas as partes do Brasil estiveram presentes. Foi a sétima edição, com o lema ‘Margaridas em marcha pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver’. Mulheres principalmente da agricultura, pescadoras, quilombolas, as mulheres do campo, da floresta, das águas, vindas de todos os rincões do nosso país, estiveram reunidas. Sem dúvida foi um momento importante e nos juntamos a essa marcha, representando as mulheres trabalhadoras das indústrias de Santa Catarina, junto à Fetiesc. O evento teve todo um arcabouço de propostas, de reivindicações junto ao Governo Federal, para que tenha esse olhar para o fim da violência no campo, para o fim da exploração, pela agroecologia, por mais financiamentos para a agricultura familiar, pelo combate a todas as formas de preconceito, pelo combate ao uso abusivo de agrotóxicos para que tenhamos alimentos mais saudáveis à mesa, uma série de reivindicações. Esta marcha é muito simbólica e significativa para todas as mulheres brasileiras”, comenta.
O primeiro dia do evento, começou com uma agenda política muito importante: uma Sessão Especial no Senado Federal, em Homenagem à Marcha das Margaridas, requerida pelo senador Beto Faro (PT-PA). No ato de abertura, a autoridade explicou alguns aspectos da Marcha, incluindo os eixos temáticos da pauta de reivindicações das Margaridas, e ressaltou: “Acredito que cada ponto da pauta dos eixos precisa ser estudado e observado com muita atenção, pois irão nortear nosso trabalho no parlamento em favor da justiça social”.
Mais de 120 margaridas encheram a plenária do Senado para participarem desse momento, e assistiram aos discursos de parlamentares, onde muitos falaram sobre a história de luta de Margarida Alves e das mulheres que viajaram de diversos lugares do Brasil para participarem da 7ª Marcha e representarem as reivindicações de milhões de mulheres do campo, das florestas, das cidades e das águas.
A coordenadora da 7ª Marcha e secretária de Mulheres da CONTAG, Mazé Morais, foi convidada a discursar na tribuna e deixou um recado das Margaridas. “Enfrentamos anos difíceis, mas nossa resistência e coragem nos trouxeram até aqui. Apresentamos aos poderes uma pauta de reivindicações que é fruto de diálogos que estabelecemos conjuntamente em nossos territórios. Esperamos que essas Casas [Parlamentares] considerem as nossas demandas e a sucessão das ações previstas no Plano Plurianual 2024-2027, garantindo orçamento público durante sua efetivação nos próximos anos”.
Representando as Margaridas, também discursou a secretária de Mulheres da Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Estado do Piauí (FETAG-PI), Marlene Veloso. “Hoje e amanhã, aqui em Brasília, somos todas margaridas, mulheres de luta que marcham nesse processo de reconstrução do país, por uma sociedade mais justa e igualitárias. Esse país vai ser reconstruído pelas mãos das mulheres”, afirmou.
Já no dia 16, durante a marcha na Esplanada dos Ministérios, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e suas ministras e ministros de Estado fizeram anúncios importantes em resposta à Pauta da Marcha das Margaridas, entregue em 21 de junho ao governo federal. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) também anunciou questões importantes como resultado das reivindicações das Margaridas, como a aprovação do nome de Margarida Alves no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria e a instituição de um grupo de trabalho específico para organizar o acompanhamento de toda pauta recebida com a deputada Benedita da Silva (PT-RJ).
“A única razão pela qual eu voltei a ser presidente foi para provar ao Brasil e ao mundo que esse país tem condições de tratar o seu povo com respeito, que esse país tem condições de melhorar a vida de vocês, que esse país pode cuidar da saúde da criança, da saúde do trabalhador e da saúde da mulher. Eles têm que saber que filho de agricultora vai entrar na universidade e vai virar doutor. Eles têm que saber que nós queremos mudar de vida”, ressaltou o presidente.
No ato de encerramento da 7ª Marcha das Margaridas, o presidente Lula também assinou vários decretos:
– Instituição do Programa Quintais Produtivos para Mulheres Rurais;
– Decreto sobre seleção de famílias e retomada da reforma agrária;
– Instituição da Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo;
– Instituição do Grupo de Trabalho Interministerial para o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural;
– Instituição do Programa Nacional de Cidadania e Bem Viver para as Mulheres Rurais;
– Instituição do Pacto Nacional de prevenção aos feminicídios;
– Retomada da Política Nacional para os Trabalhadores Rurais Empregados;
– Retomada do programa Bolsa Verde, de apoio à conservação ambiental.
Em seu discurso no encerramento da Marcha das Margaridas, o presidente da CONTAG, Aristides Santos, destacou o sentimento de esperança com os anúncios feitos pelo governo. “Aqui há um sentimento de muita esperança porque o Brasil voltou, o presidente Lula voltou, as mulheres voltaram. Como diz o presidente Lula, nunca antes na história do Brasil tantas mulheres ocuparam ministérios, e ontem foi dada essa demonstração na nossa abertura. Nesses meses já sentimos que a nossa luta e nossa esperança voltou. Mas sabemos que os desafios ainda são muitos, precisamos avançar no combate à fome, na distribuição de renda e na reforma agrária.”
Bastante emocionada, Mazé Morais, secretária de Mulheres da CONTAG e coordenadora geral da Marcha das Margaridas, emocionou até o presidente Lula com sua fala. “Querido presidente, essa Marcha das Margaridas tem um significado muito grande pra nós. Foram quatro anos, muitas reuniões, muitas conversas nos roçados, nas beiras dos rios, para hoje estarmos aqui e queríamos agradecer muito ao seu governo por ser tão atencioso com todas nós margaridas ao receber a nossa pauta. E estamos com muita expectativa, esperança, porque dizemos que essa Marcha de 2023, diferente da Marcha de 2019, que foi a marcha da resistência, essa é a da reconstrução do Brasil e do bem viver”.
Quem foi Margarida Alves?
Margarida Maria Alves (Alagoa Grande, PB, 5 de agosto de 1933 — Alagoa Grande, PB, 12 de agosto de 1983) foi uma sindicalista e defensora dos direitos humanos brasileira, e seu nome é hoje um símbolo da luta pela igualdade de direitos para as mulheres do campo através da Marcha das Margaridas, que assim é chamada por homenagear essa mulher aguerrida da Paraíba. Margarida foi também uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país.
Caçula de nove irmãos e natural da periferia paraibana, Margarida Alves teve na história de sua própria família a experiência de ser expulsa de suas terras por latifundiários, episódio que vivenciou ainda na infância. Durante o período em que esteve à frente do sindicato local de sua cidade, foi responsável por mais de cem ações trabalhistas na Justiça do Trabalho regional, tendo sido a primeira mulher a lutar pelos direitos trabalhistas no estado da Paraíba durante a ditadura militar.
Entre as lutas travadas pela sindicalista estão a busca pela contratação com carteira assinada, o pagamento do décimo terceiro salário, o direito das trabalhadoras e dos trabalhadores de cultivar suas terras, a educação para seus filhos e filhas e o fim do trabalho infantil no corte de cana. A atividade era marcante na região, em especial pela existência da Usina Tanques — a maior do estado da Paraíba naquela época.
Em função de sua luta por direitos, não tardou para que começassem as intimidações à atuação combativa de Margarida. Os próprios trabalhadores contavam para a líder sobre as ameaças que ouviam de seus patrões e feitores. Porém, a resistência de Margarida não superou a tirania dos latifundiários. A vida de uma das primeiras líderes sindicais do país foi cruelmente encerrada por matadores de aluguel a mando de fazendeiros da região de Alagoa Grande. Margarida foi brutalmente assassinada em 12 de agosto de 1983, aos 50 anos, na porta de sua casa, na frente do único filho e do marido.
O crime teve grande repercussão nacional e internacional, chegou a ser denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Dois anos depois de sua morte, o Ministério Público denunciou três pessoas que poderiam estar associadas ao crime, e, em 1995, o Ministério Público realizou uma nova acusação de outros fazendeiros como mandantes do assassinato, no entanto, esse crime político nunca foi resolvido.
O crime segue impune, mas seu legado permanece vivo. A cada quatro anos, a luta de Margarida Maria Alves mobiliza milhares de mulheres das cinco regiões do país rumo à Marcha das Margaridas, que leva e revive seu nome e sua memória. Eles não sabiam que Margarida era semente.